A passagem da Sublime Porta


As imagens que o Público hoje mostrou.

Apenas os entusiastas das “grandes causas” poderão negar a evidência: o governo Erdogan optou por uma saída airosa – mas com bastante ruído mediático – da já tradicional aliança entre a Turquia e o Estado de Israel. Hoje ninguém duvida da escalada de um islamismo mais radical que o primeiro-ministro turco tenta ingloriamente colocar em paralelo com a democracia cristã europeia. Nada de mais falso. O assalto ao poder total, a destruição do Estado khemalista, a obliteração do poder das forças armadas, a conquista do palácio presidencial e a aproximação ao Irão, são factos que denotam uma evolução que apenas poderá preocupar os europeus. Praticamente afastado o ingresso na periclitante União Europeia, a Turquia prepara-se para se tornar numa potência regional com influência segura em algumas regiões da Ásia Central e no Médio Oriente, ao mesmo tempo que recupera o papel outrora reservado à Sublime Porta como protectora dos muçulmanos. No entanto, este afastamento acaba por ser uma feliz ocorrência para uma Europa ciclicamente ameaçada pela recessão e declínio demográfico. Serve como um alerta.

Entretanto, os apoios que Erdogan recebe imediatamente, são bastante elucidativos. Pequim já disse presente!

Não está em causa a crítica à abusiva política israelita na região, mas esta incursão à Faixa de Gaza consiste num mero pretexto para o corte de relações e realinhamento político. O planeamento foi cuidadoso e o efeito mediático esclarece quem disso tenha qualquer dúvida. Restará saber qual será a reacção norte-americana e as consequências na OTAN.

Uma questão que poucos colocam, é a presença de mais de 600 “activistas” a bordo de um navio de ajuda humanitária. Conhecendo-se o tipo de “activismo” de certo recorte, imagina-se o tipo de missão a que iriam.

Apesar da solidez da sociedade liberal de Constantinopla, terá início uma escalada nas ruas e coloca-se a questão de uma reacção turca, no caso de uma atitude estrangeira relativamente ao problema curdo. É uma arma que decerto não tardará a ser utilizada em caso de imperiosa necessidade. Junto dos radicais islamitas, a Turquia perfila-se já como o seu próximo campeão, infinitamente mais credível, poderoso e ameaçador do que qualquer arrivista iraquiano, sírio ou líbio. Sem comparação possível.

Comments

  1. Luís Moreira says:

    As coisas são sempre mais complicadas do que colocar bonzinhos de um lado e os maus do outro. Além disso, chamar assassínios a quem defende o que acha melhor para o que é seu, só ajuda à escalada da violência e perturba a possível negociação.

  2. E os mortos Nuno? E porque vens bater na Turquia se havia cidadãos de toda a Europa envolvidos? E uma irlandesa Prémio Nobel da Paz também está ao serviço da Turquia?
    Acho espantoso como se pode defender o assassino, e invocar o apoio da China.
    Qual foi o país que não condenou o massacre?
    Quanto ao vídeo, só se perderam as que caíram no chão. Armas brancas e berlindes contra um dos mais poderosos exércitos do mundo. Coitadinhos dos israelitas.

  3. Nuno Castelo-Branco says:

    José, não fiz qualquer apologia ao actual estado de coisas na região. No entanto, sei muito bem – e tu também sabes – como este tipo de aventuras são organizadas e quais as pessoas que geralmente participam. As mortes foram escusadas e voltam-se contra os israelitas. Também fui expulso do sítio onde nasci e assim, compreendo muito bem a situação dos palestinianos.
    Há que ter em conta quem está no poder em Ancara.

  4. Falas de organizações e misturas com o estado turco. O erro é esse: Ancara tinha muito pouco que ver com esta missão humanitária.
    Agora reage como qualquer país soberano perante o assassinato de cidadãos e o aprisionamento de navios sob sua bandeira em águas internacionais.
    Olha que a minha simpatia pela Turquia é mesmo muito limitada, e assim o será até que abandone de vez a mentira sob o genocídio arménio, resolva pacificamente o problema curdo, e já agora seja uma democracia como as outras.

  5. Nuno Castelo-Branco says:

    Sinceramente, estou desconfiado. O processo de deslaicização empreendido por Erdogan está a acelerar e em política, arranjam-se pretextos. A aliança com Israel é do âmbito das forças armadas e até agora, uma questão de segurança das fronteiras. O problema é que a política externa turca está a mudar rapidamente e em direcção à Ásia Central e antigas possessões no médio oriente. Uma grande potência regional e o substrato islâmico como móbil. Eles sabiam perfeitamente que as normas de Israel – e que são discutíveis – implicam o desembarque e controlo das mercadorias em Ashod. Não as cumpriram e o casus belli é perfeito.
    Quanto ao genocídio arménio, esse reconhecimento já esteve mais longe. O caso curdo é mais difícil e as boas relações com o regime dos aiatolás indicia algo. Estão no mesmo bote que afunda.

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